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Embaixador Manuel Lobo Anunes

"Espero que Portugal adote todas as medidas internas que lhe permitam tirar o máximo proveito das novas estruturas a criar, nomeadamente o chamado serviço diplomático europeu. Se o fizermos, poderemos potenciar a nossa política externa".

Entrevista ao Embaixador Manuel Lobo Antunes

2015


1. Regressou à carreira diplomática depois de uma passagem de alguns anos pela política. Quais são as grandes diferenças? Lembro-me de ter lido numa entrevista sua que tinha saudades da carreira diplomática - e agora, tem saudades da política?
A política deve definir e orientar, com coragem, adotando decisões; a diplomacia, embora deva contribuir para essa definição ajudando os decisores políticos nas suas opções e decisões, designadamente dando-lhes a devida contextualização, é sobretudo execução e ação. Mas talvez, no mundo moderno, as linhas separadoras não possam ser tão facilmente explicáveis. Porventura política e diplomacia são duas faces da mesma moeda. Quando se fala agora de diplomacia pública, é de uma diplomacia mais mediática, mais política. Em Portugal ainda não se pratica muito. Aliás julgo que está por fazer um debate sobre o que é a diplomacia neste século, para que serve e que instrumentos deve utilizar. E quanto à política, também é necessário que ela de alguma forma se transforme, se credibilize, que altere o estilo, que seja menos micro e mais macro. Tenho saudades da política porque gostei muito do que fiz e contribuiu para me conhecer melhor e os outros. Também o país. Estou grato a quem me deu essa oportunidade e pela confiança que me deram.
 
2. Um dos assuntos que acompanhou, na sua passagem pelo governo, foi a preparação do projeto do novo Estatuto da Carreira diplomática. Acha que o projeto de Estatuto dá resposta aos desafios da carreira diplomática, no presente e no futuro?
Na versão que deixei alinhavada quando deixei o Governo, a intenção era a de dotar o MNE e os diplomatas de um estatuto moderno e que respondesse aos problemas que têm sido identificados por eles como os mais importantes. Acho fundamental, por exemplo, restaurar o prestígio e a autoridade institucional do Secretário-Geral, chefe da carreira, também dos chefes de missão, e simultaneamente garantir e aprofundar os direitos dos funcionários,designadamente dos mais fr ágeis numa carreira muito hierarquizada e nem sempre funcionando com a maior transparência. A situação concreta dos funcionários e do seu agregado familiar também deveria ser melhorada em vários aspetos. Foi para o que eu e a minha equipa procurámos trabalhar, mas não tenho ilusão de que reformar carreiras seja tarefa fácil e imediata.
 
3. Teve um papel direto e preponderante na negociação do Tratado de Lisboa. Acredita na sua ratificação? Qual será, na sua opinião, o impacto do novo serviço diplomático europeu nas estruturas diplomáticas nacionais, incluindo a portuguesa?
Não se trata de ciência, é claro, mas tenho a profunda convicção de que o Tratado de Lisboa entrará em vigor. E hoje, sendo REPER junto da UE, é para mim ainda mais evidente a sua necessidade, não ignorando os riscos de algumas soluções propostas. Mas a UE precisa, sem dúvida, de um abanão, de avançar e de se aprofundar. Espero que Portugal adote todas as medidas internas que lhe permitam tirar o máximo proveito das novas estruturas a criar, nomeadamente o chamado serviço diplomático europeu. Se o fizermos, poderemos potenciar a nossa política externa. Caso contrário, a nossa força e capacidade de influência será diluída. Também aqui, como noutras áreas, temos de estar na linha da frente. Os decisores políticos têm de estar bem conscientes desta realidade. Mais um desafio que, reconheço, terão de enfrentar num mundo e num tempo já cheio de problemas.
 
4. Qual é a sua avaliação sobre o papel e trabalho da ASDP?
Sempre fui um adepto da ideia de um sindicato para os diplomatas e creio que estou entre os primeiros sócios da ADSP. As estruturas sindicais são essenciais ao estado de direito, à democracia e ao funcionamento equilibrado da sociedade. Na diplomacia, por constrangimentos próprios desta carreira, é difícil a implantação de estruturas sindicais fortes. Reconheço o esforço feito ao longo dos anos pela ASDP na defesa dos interesses dos diplomatas e em contextos por vezes difíceis. É uma Associação insubstituível e que o poder político só ganha em prestigiar. Confesso que entre as situações mais curiosas que enfrentei enquanto Secretário de Estado foram as minhas conversas com a direção da ASDP. Representava uma das «partes», mas o meu coração não podia deixar de balançar para a outra... Era um bocado confuso na minha cabeça...
 
5. Acha que há um problema de imagem pública dos diplomatas?
Há sobretudo, creio, um preconceito tolo e provinciano da parte de alguns que outros se entretêm, por cinismo ou simples maldade, a alimentar. Há quem se compraza a tentar fazer passar estereótipos ou exceções como verdades. Isto dito, os diplomatas também têm de contribuir para uma imagem que seja positiva, pelo exemplo de empenho, pelo esforço e pela qualidade do seu trabalho. Enquanto servidores do Estado, os diplomatas são sujeitos a um escrutínio implacável porventura mais do que outros. Sobretudo temos que evitar dar razão aos que por vezes se entretêm em menorizar as nossas funções e a importância do nosso trabalho.
 
6. Que conselho daria a um(a) jovem que estivesse a pensar concorrer à carreira diplomática?
Que concorresse mesmo. E depois logo verá. Eu fui para a diplomacia por mero acaso. Quando me desafiaram a concorrer, e procurava emprego, o meu raciocínio foi "e porque não?". Nunca foi uma vocação ou sequer uma possibilidade. E não estou arrependido. A carreira, e muitos amigos que felizmente tenho nela, têm sido generosos comigo.

Perguntas por: Francisco Alegre Duarte


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